segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Tradição, ideologia e même

Tradição: ideologia e même




Quando criança, adorava ir à igreja com minhas tias. A missa era rezada em latim, por isso mais misteriosa ainda. Na catedral de Santo Antonio, apreciava, analisava as imagens que me impressionavam deveras. Algumas me amedrontavam, como a do Bom Jesus, com sua capa vermelha e já livre da cruz.

Na minha primeira comunhão entrei trêmula na nave da igreja, portando meu tercinho, um evangelhozinho com capa de madrepérola, presente da minha “dinha”, e o branquíssimo véu na cabeça “Vamos todos ao sacrário, lá por nós Jesus está, mas ao ver tantas crianças, bem contente ficará...” não foi pouca a emoção ao tomar a primeira hóstia “corpo de Cristo”; não podia morder que saía sangue...

Na igreja de São Benedito, gostava de observar o teto. Em cada um dos quatro cantos, os evangelistas e lá na frente, no altar, o santinho tão pretinho com o Menino Jesus no colo. Nos dias de procissão, ele gostava de ir na frente, senão chovia e o povo não saía. Nesses dias, os anjos se materializavam... que lindos brincando, chorando no colo das mães, comendo quebra-queixo!

Eu também saía no meio de uma das quadras com meu amigo Tadeu. Já fomos juiz e juíza, príncipe e princesa, vestidos com tecidos nobres. Tudo era bom no antes, no durante e no depois. Antes, reuníamos na casa da festeira, Dona Lidioneta, mãe do Tadeu, onde, além de saborear o almoço da festa, brincávamos. Durante era um sonho só: a banda tocando, os fieis levando grandes velas, pessoas pagando promessas e eu rezava minha oração infantil no meio da quadra durante todo o trajeto. Pedia uma graça para alguém da família. Depois, era a quermesse, os doces e os afagos dos adultos.

As datas sagradas eram seguidas rigorosamente. Na quaresma, cobriam-se os santos com tecidos brancos, não podia rir, falar alto, senão cresceriam rabinho e chifrinho. A procissão da sexta-feira santa era pesada: os encapuçados, as carpideiras, o canto da Verônica, e ELE, o divino cordeiro em seus padecimentos. Meu coraçãozinho ficava em frangalhos, porém a alegria voltava no sábado de aleluia com a cerimônia de malhação do Judas. Naquele tempo, em cada bairro tinha um pau de sebo com o traidor pendurado, lotado de guloseimas e moedas. Quem lograsse alcançá-lo, levava tudo. Melhor ainda era o domingo da Páscoa, com toda a família reunida, almoço de gala e os ovos de chocolate.

A natividade era comemorada com grande pompa, especialmente no centro espírita que minha mãe frequentava, onde havia coral, teatro, danças. Mamãe sempre teve uma grande força mental, tanta que, certa vez, ela nos fez ver papai noel. Até hoje, eu e meu irmão sabemos descrever o que vimos no céu. Impressionante...

Na família, havia católicos, kardecistas, umbandistas e adventistas. Havia reuniões espíritas na casa de meu avô, na casa da Dona Lila onde incorporavam pretos velhos, pretas velhas, sábios hindus, caboclos, na casa da Dona Maria do Seu Alfredo onde o trabalho mais forte era a desobcessão. Tudo em nome de Jesus e voltado para o bem.

Papai assinava uma revista católica semanal que se chamava “Família Cristã”; eu esperava pelo correio sentada na porta de casa de tanto que gostava.

Como se não bastasse, estudei em colégio metodista; as aulas de religião eram sérias, a professora Dona Narcisa contava com grande eloquência as passagens bíblicas; no último sábado do mês, tínhamos uma reunião em que, além de entoarmos os hinos religiosos, mostrávamos nossos talentos.

Com os signos da religiosidade impregnados dentro de mim desde a infância, mesmo sabendo mais tarde o quanto a religião foi usada a favor do poder, o quanto há de lenda nas histórias, não consigo negar Deus. ELE está aqui e não é o meu ópio. Não me vejo acorrentada a dogmas. Jesus me comove até hoje e isso é algo meu, ou seja, não tenho necessidade de convencer ninguém, bem como convivo tranquila com minhas crenças. Hoje, sou holística, procuro respostas para meu espírito irrequieto e elas vêm.

AMÉM, AXÉ, SARAVÁ, SHALOM, NAMASTÊ...



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