O São João do Nordeste
Quando vai
chegando os meados de maio, as cidades nordestinas começam a pegar fogo
preparando as festas do santos. No meu primeiro ano, não entendi nada, ou não
me dei conta da relevância dos eventos.
Pensava: Mas
que raio é esse? Na Faculdade, todos os funcionários vestidos à caráter durante
todo o expediente; no comércio, a mesma coisa. E bandeirolas de plástico
coloridas em todas as ruas da cidade nas mais originais montagens.
Em Sergipe,
cada cidade tem uma atração em dias diferentes que é para o povo poder
participar de todos os shows. É, shows de bandas famosas de forró, de axé e um
tradicional concurso de quadrilhas que passei a apreciar demais.
Na cidadezinha
que lecionava foi minha primeira vez. Confesso que eram meio aterradoras
aquelas fogueiras verticais em frente a cada casa, como uma grande vela a serração iluminando a
serração. Isso porque a cidade era alta e no inverno sempre havia “fog”,
oferecendo-lhe um aspecto europeizado. Uma cidade fria a 110 km do Atlântico! E
de europeia, só tinha mesmo as brumas!
A noite de São
João é comemorada pelas famílias reunidas como se fosse Natal ou Ano Novo.
Festão com comidas típicas e muitos licores caseiros. Não podem faltar o
delicioso caranguejo ou o guaiamum, caldo de feijão, caldinhos de sururu,
aratu, camarão, ostra, frutos do mar; moquecas de arraia, de peixe com muita farinha
e bem apimentadas, mingau de puba, munguzá, canjica, pé-de-moleque, pamonha, curau, doce de abóbora, cocadas, biscoitinhos de goma; mocotó, caruru, vatapá,
pirão de capão, espetinhos, pitu, cuscuz, queijo coalho, frios, carnes, peixes
e até a tradicional e nutritiva carne de bode cujas podem ser servidas tripas fritas como tira-gosto. Não pode faltar também a “fatada”: bucho de
bode costurado com os miúdos dentro e cabeça de carneiro. Tradicionais as
tapiocas recheadas, doce e salgadas, muito deliciosas.
A variação
linguística causa confusão: munguzá é canjica; canjica é curau; pé-de-moleque não tem nada a
ver... frango é galinha e galinha caipira é “galinha de capoeira”; carne de
vaca é carne de boi e por aí afora....
Existe uma
entrada de São João um pouco insólita em uma das cidades sergipanas: a noite da
Silibrina! Nesse dia, as escolas soltam as crianças mais cedo, trancam-se as
portas e um cenário de guerra domina todos os cantos. Os jovens protegem-se, enrolando-se em muitos panos e saem com suas
motos estourando e jogando bombas em quem pegar. Saem muitos queimados, mas
eles gostam. Alguns chegam a ficar mutilados, mas gostam.
Celebração
interessante são as barcas de fogo em Estância. É uma arte, não machuca
ninguém, é saudável e gostoso de se ver,
saboreando os petiscos joaninos.
Na capital,
Aracaju, acontecem os shows na praça de eventos, com muitas barraquinhas
vendendo artesanato, roupas, guloseimas juninas. Geralmente, chove, mas a chuva
não é empecilho para quer o povo fique entusiasmado e se entregue ao som da
zabumba, do pandeiro e da sanfona.
PAMRAMRAMRAMPARAMPARAMPARAMPARARARARAM...
e a chuva caindo... o licorzinho rolando... os pares quebrando a cintura na
dança.... crianças, jovens, adultos, idosos, pessoas especiais, deficientes,
ninguém resiste à dança mais popular do Nordeste. Tudo isso com uma suave brisa
marinha a dar um toque eólico
possidônico ao evento.
Esse frenesi vai do final de maio até os
primeiros dias de agosto, culminando com a noite de São João, quando, antes de
irem para a rua, as famílias se confraternizam em casa com amigos. Há que se
notar uma adolescente com a face esbraseada do licor de jenipapo, permitido pelos
pais nessa época. Aliás, elas aproveitam e se jogam mesmo, trocam receitas de
licores artesanais, fazem marula e cheias de si, levam à escola para
compartilhar, presentear e barganhar.