domingo, 1 de janeiro de 2012

ADAPTAÇÃO DE MEDEIA, DE EURÍPEDES

Ama:

Pelos deuses, que o navio Argos jamais tivesse voado sobre as ondas para a terra de Colcos; que jamais os valentes heróis tivessem ido em busca do velocino de ouro! Medeia, minha querida senhora, não teria navegado para os muros de Iolcos, apaixonada por Jasão... e se não tivesse persuadido as filhas de Pélias a assassinarem o pai não habitaria com o esposo e os filhos a terra de Corinto, onde até há pouco era querida pelos cidadãos, onde vivia em harmonia com Jasão (tudo fica bem enquanto não chega uma terceira pessoa), pois, agora está cercada pelo ódio e ameaçada naquilo que tem de mais caro. Traindo os filhos e a minha ama, Jasão desposou a filha de Creonte, que reina nesta região. E a infeliz Medeia, ultrajada, clama contra a traição, e toma os deuses por testemunhas pela ingratidão de Jasão. Está lá, jogada na cama, não que comer nada, entregue, chorando desde que sabe da traição do esposo. Às vezes, torna o belo pescoço em direção ao querido pai, a sua pátria que abandonou para seguir o homem que lhe causou tamanha infelicidade. Sabe agora a desafortunada que não se deve abandonar a terra natal. Odeia os filhos e contemplá-los não lhe alegra mais o coração. Tremo à ideia que medite algum golpe imprevisível. É uma alma violenta; não suportará essa injúria: eu a conheço, ela me assusta. Temo que ela enterre no peito um ferro afiado no silêncio de seus aposentos, ou mate a filha do rei e aquele que desposou e, assim, atraia maiores calamidades. Ela é terrível e é mais certa a perda de seus adversários. Mas eis as crianças que voltam da escola sem pensar nas infelicidades da mãe; as almas jovens não conhecem o sofrimento.

Escravo: Velha escrava, o que estás fazendo aí, solitária, diante dessa porta, contando a ti mesmo as tuas tristezas? Como é que Medeia consente em ficar sozinha?

Ama: Ancião, guarda dos filhos de Jasão, a infelicidade dos amos causa a infelicidades dos servidores fiéis e lhes dilacera o coração. É tamanha a minha dor, que vim aqui contar à terra e ao céu os infortúnios de minha senhora.

Escravo: Ela já parou de gemer?

Ama: Ai, não parou.... e suas desgraças estão apenas começando.

Escravo: Insensata! Se é permitido falar assim de seus amos.... ela nem desconfia que suas provações estão apenas começando.

Ama: Sim, por quê? Sabes de mais alguma coisa? O que me escondes? Fala logo, prometo guardar segredo, se for preciso.

Escravo: Ouvi alguém dizer, como quem não quer, que Creonte, rei desta região, ia expulsar de Corinto as duas crianças com a mãe. Será verdade?

Ama: Mas Jasão vai deixar que isso aconteça?

Escravo: Ele já não ama esta família; o antigo amor cede lugar ao novo. Todo mortal faz assim mesmo. Todo homem ama mais a si próprio do que o próximo. Será que só hoje descobriste isso, vendo um pai que já não ama os seus próprio filhos porque desposa outra mulher?

AMA: Quer saber? Mantenha essas crianças bem afastadas, não as deixe ao alcance da mãe irritada. Já a vi lançando olhares ferozes sobre elas, como se tramasse algo terrível.

MEDEIA: Ah, como sou infeliz! Sofrimentos cruéis! AI de mim! AI de mim! Por que não posso morrer?

AMA: Não disse? Não disse? Medeia está furiosa e quais excessos não poderá cometer uma alma assim dilacerada pelo sofrimento?

MEDEIA: Ai de mim! Sofro, desventurada, sofro, e não posso conter os meus gritos de dor. Malditas crianças de mãe odiosa, morram com o pai! Que toda a nossa casa morra!

Coro: Ouvimos a voz, ouvimos os gritos da infeliz mulher de Colcos; ela ainda não se aquietou...

MEDEIA: Ah, que o fogo do céu caia sobre a minha cabeça! De que me serve viver ainda? AI de mim! AI de mim! Que a morte me traga o alívio e me arranque de uma vida odiosa!

CORO: Se teu esposo procura um leito, não te irrites por isso contra ele. Zeus será teu vingador. Não te consumas em chorar assim por ele.

MEDEIA: Poderoso Zeus e venerável Têmis, a que ponto cheguei para auxiliar este maldito esposo. Quero ver a ele e a sua mulher reduzidos a pedaços neste palácio. Ó meu pai, ó minha pátria que abandonei, depois de ter assassinado meu irmão!!

CORO: Ouçam sua voz lamentosa e seus longos gemidos; ela solta gritos agudos sobre seus dolorosos infortúnios e amaldiçoa aquele que a traiu, seu perverso esposo....

MEDEIA (dirigindo-se ao coro): Acabou-se. O golpe inesperado que recebi, despedaçou a minha alma. Quero morrer, minhas amigas. Aquele que para mim era tudo, torno-se o mais pérfido dos homens. De todos os seres que respiram e que pensam, nós, as mulheres, somos as mais miseráveis.Primeiro,precisamos comprar muito caro um marido, dando-lhes o nosso dote, e depois ainda temos de obedecê-lo como escravas. A uma mulher é proibido repudiar o marido. Abandoná-lo então, impossível. Somente eles tem o direito de sair para distrair-se do tédio do lar. Se a sorte nos provê um bom marido, ainda é bom, mas se o destino nos dá um homem que aprecia mais os amigos do que o lar. Dizem eles que ficamos protegidas no aconchego do lar enquanto eles vão à guerra. Quisera eu participar de três guerras do que dar à luz uma só vez. Mas, nossa situação é diferente. Vocês estão aqui na sua pátria.na casa de seus pais, saboream as delícias da vida e as doçuras da amizade, enquanto Eu, abandonada e proscrita, sou ultrajada por esse homem, arrancada por ele a uma terra bárbara, não tenho mãe nem irmão nem parente... poderia me ajudar.... geralmente a mulher morre de medo de tudo, foge da luta, estremece à vista de uma arma, mas quando traída, não existe alma mais sedenta de sangue.

CORO: Te ajudaremos no que pudermos, você tem razão em querer vingança. Mas eis Creonte que vem te trazer novas.

Medéia com Creonte: p. 26

Creonte: Intratável Medeia, ordeno-te que abandones esta região, que partas para o exílio levando seus dois filhos, agora, sem demora.

Medeia – AI de mim, estou perdida. Meus inimigos estão ao meu alcance. Mas, porque me expulsa de Corinto?

Creonte: Terás de partir imediatamente, porque temo que faças algum mal irreparável a minha filha.

Medeia – Ai de mim. Tenho má fama, mas apenas quero que os noivos vivam felizes aqui e lhe peço que me deixe habitar esse país

Creonte: Mas de jeito nenhum. Você não me convence com a sua fala doce. Minha decisão é irrevogável.

Medeia : Pelo amor a sua filha.

Creonte: NÃO.

Medeia: eu te suplico, Creonte

Creonte: NÃO

Medeia: Deixa-me ficar só mais hoje para arrumar um lugar para onde ir com meus filhos.

Creonte: Por compaixão, cedo. Mas ,se amanhã, você e seus filhos ainda estiverem aqui, serão mortos.

CORO: p. 29 Inditosa mulher! AI de nós! Que pena temos de tuas dores! Para onde voltarás teus passos? Em que casa, em que país encontrarás asilo e salvação? Ah! Medeia, como vais errar sem esperanças no oceano das misérias a que te atiraram os deuses!

Fala longa de Medeia na p. 29 – Mas que demente esse Creonte! Esse dia que me concede é suficiente para que eu trucide meus três inimigos: o pai, a filha e o ingrato Creonte. Tenho inúmeros meios para lhes dar a morte: devo botar fogo no palácio nupcial ou mergulhar-lhes uma faca afiada no coração? Não, assim posso ser surpreendida. Resta-me envenená-los, é o caminho mais fácil e mais seguro. Mas, depois de tê-los matado para onde irei? Mas, por juro por Hécate que nenhum deles ficará impune. Vão se arrepender amargamente de tudo o que estão me fazendo. Vamos, Medeia, não recue!

CORO: Não espere por justiça. Você perdeu tudo, Medeia, ai de ti, a casa paterna e outra mulher dorme da tua cama e manda em tua casa.

JASÃO E MEDEIA – P. 31

JASÃO: Já passei por essa experiência, mas a cólera é um terrível flagelo. Não me importo se me julgas o pior dos homens. Gostaria muito que ficasse em Corinto, mas a tua fama te condena e tua loucura não cessa. Eu proverei os recursos para que fiques bem com seus filhos no exílio. Por mais que me odeies, eu não saberia te odiar também.

Medeia : Como ousas aparecer na minha frente, ser ingrato, o mais ingrato dos homens! Eu te odeio, eu te odeio, eu te odeio! Já que veio, vai ter de me ouvir. Fui eu que te salvei a vida, fui eu que matei o dragão que guardava o velo de ouro, abandonei meu pai e minha mãe para seguir-te a Iolcos, fiz as filhas de Pélias o matarem e te livrei. E o que ganhei com isso? A mais vil ingratidão. Covarde! Por que precisa de outra mulher, se tens filhos comigo? Você me iludiu, me traiu e agora me abandona. Para onde vou com nossos filhos?

Coro: p.33 É terrível a ira, e mais difícil de acalmar, quando são amantes que a discórdia põe em luta.

Jasão: A nossa união só te causou benefícios, Medeia. Se é conhecida hoje em toda a Grécia, deves a mim. Mas, pense, Medeia, que glória poder desposar uma princesa. Eu, um exilado. E ainda o faço para poder dar aos nossos filhos irmãos poderosos e ilustres e para ter velhice tranqüila. Seja razoável, ao menos uma vez.

Medeia: Não, não quero saber de uma glória que eu pagaria tão caro, de uma fortuna que me despedaçaria o coração. Serei a maldição da tua casa.

Jasão: Chega. Não discuto mais contigo. Aceite um socorro em dinheiro para você e seus filhos no exílio. Mulher, recusar seria loucura. Acalma a tua cólera. Só tens a ganhar com isso.

Medeia: Não quero absolutamente nada de ti, ingrato.

Jasão: Os deuses são testemunhas do que estou pronto a fazer por ti e pelas crianças.

Medeia: Suma da minha frente. Deve estar louco para rever tua nova amante... vai....

CORO: Desta mulher podemos dizer: INFELIZ! Nem a cidade, nem amigo nenhum teve compaixão da cruel que acabrunha. Pereça o ingrato que não sabe honrar seus amigos abrindo-lhes os mais puros recônditos do coração! Nunca será nosso amigo.

p.37

Medéia e Egeu

EGEU: Salve Medeia!

Medeia: Egeu, o que fazes por essas paragens?

EGEU: Vim consultar o oráculo de Apolo, para saber se vou conseguir ter filhos. E ele me respondeu “Não desprende o pé que sai da ostra...”. Vou até o sábio Piteu para desvendá-lo. Mas, o que se passa, Medeia. Por que esse semblante amargurado?

MEDEIA: Jasão toma por esposa e filha de Creonte e me expulsa para o exílio com meus filhos.

EGEU: Tua dor compreensível, mulher! Não aprovo este ato de Jasão.

MEDEIA: Pois... escuta. Tem piedade de mim. Não me deixes viver no exílio e no abandono. Recebe-me em teu país, em teu lar. Como pagamento, graças a mim, terás filhos. Conheço filtros mágicos poderosos. Serás pai.

EGEU: Por respeito aos deuses e pela esperança de ser pai, eu a receberei em minha terra, infeliz Medeia.

MEDEIA: JURAS?

EGEU: CONFIE EM MIM.

MEDEIA: Jure proteger-me enquanto estiver vivo.

EGEU: Pois tem a minha palavra: juro pela Terra, pela santa luz do Sol, por todos os deuses, fazer tudo o que me pedes.

p. 43 – Fala de Medeia sobre os seus planos (a ideia do Carcará)

MEDEIA: Ó ZEUS! Ó Justiça, filha de Zeus! Ó Luz do Sol! Agora eles vão ver comigo! Vou pedir que chamem Jasão e aí falarei com ele com doçura, direi que resolvi aceitar a sua proposta. Mas, pedirei ainda para que deixe meus filhos viverem aqui em Corinto e enviarei por meio deles presentes à princesa, para que ela os aceite: um véu e uma coroa de ouro. Quando ela pegar esses adereços, perecerá imediatamente de forma cruel. Mas ao fazer isso, terei de matar também os meus filhos! Depois, abandonarei este país. Estarei vingada, Jasão não reverá os vivos os filhos que teve comigo e não terá outros da nova esposa, miseravelmente devorada por meus venenos. Essa sou eu: complacente com os que amo, terrível para com os meus inimigos.

CORO: Já que nos fazes esta confidência, lhes damos um útil conselho: não faças isso!

MEDEIA: Calem-se, não adianta tentar me convencer, já está decidido. Não tenho outro meio para dilacerar o coração de Jasão.

CORO: Vê teus filhos mortos, vê o assassinato com que maculas suas tuas mãos. Ah! Nós abraçamos teus joelhos, nós te suplicamos por todos os modos, não mates teus filhos! Onde teu coração e teu braço conseguirão coragem para mergulhar o ferro em seu seio, ousando essa horrível atrocidade? Será que, lançando os olhos sobre eles, poderás reter as lágrimas devidas às tuas vítimas? Não, quando vires essas crianças aos teus joelhos, suplicando, não mais terás a bárbara coragem de mergulhar no sangue deles as frias mãos.

Jasão e Medeia p. 45

Jasão: Vim ao teu chamado. O que queres de mim, mulher?

Medeia: Jasão, perdoe tudo o que eu disse há pouco. Pensei melhor e conclui que é insensatez odiar aos que me querem bem. Aprovo os seus planos de pensar no futuro da nossa prole. Não tenho que odiar uma princesa cujos filhos serão irmãos dos nossos. Você tem toda a razão, eu que estou errada, reconheço.

p. 47 CORO: Nós também sentimos brotar dos nossos olhos torrentes de lágrimas.

Jasão : Eu entendo o que está acontecendo, o que você está passando. É natural que a mulher se irrite quando o marido a abandona por outra. Filhos, não se preocupem, não deixarei que lhes falte nada. Mas, Medeia, por que choras? Por que está tão pálida? Não estás feliz com o meu apoio?

Medeia: Penso nas crianças

Jasão: Mas porque?

Medeia: Porque sou mãe.

Jasão: confia em mim.

Medeia: p. 47: Mas já que terei de partir, pede a Creonte para que deixe meus filhos ficarem.

Jasão: Tentarei.

Medeia: Pede a tua jovem esposa que peça esse favor ao pai.

Jasão: Tentarei.

Medeia: Posso ajudar-te. Mandarei a ela , por intermédio dos meus filhos, um vestido de fino tecido e uma coroa de ouro. Ela te amará mais ainda. Filhos, peguem aqui estas oferendas nupciais para levá-las à jovem princesa.

Jasão: Mas, porque, Medeia? guarda para você esses bens.

Medeia: para salvar meus filhos, não daria apenas ouro, como daria a minha vida. Vão filhos, vão suplicar à princesa e tragam-me uma resposta feliz.

CORO: Não há mais esperança para a vida dessas crianças, não mais esperança! Já caminham para a morte. Ela,a esposa infortunada recebe o diadema de ouro que vai causar-lhe a morte, ela não escapará ao cruel destino. E tu, infeliz, funesto esposo, sem perceber preparastes a perdição de teus filhos e a morte de tua jovem mulher. Temos piedade também da tua dor materna, ah, desditosa que vai matar os filhos para vingar-se.

Escravo e Medeia

Escravo: Senhora, eis aqui vossos filhos salvos do exílio. Seus presentes foram aceitos com prazer e seus filhos podem viver em paz. Sim, mas por que ficas assim? Não estás contente? Por que desvias o rosto e nem se alegra com minhas palavras?

Medeia – Ai de mim!

Escravo – Esse gemido se ajusta mal à boa notícia que trago.

Medeia – Ai de mim! AI de mim, ainda!

Fala de Medeia da p.49 – Ó meus filhos, meus filhos... tereis um lugar maravilhoso para habitar, longe de mim, enquanto eu, desgraçada, vou partir para o exílio longínquo. Foi em vão que eu passei noites em claro e embalá-los, depois de ter sofrido as cruéis dores do parto! Por que me olham assim, meus filhos? Por que me sorriem tão candidamente? Ai, o que fazer. Falta-me a coragem, ó mulheres, quando vejo o olhar cândido de meus filhos. Mas jamais passarei por palhaça ao olhar dos meus inimigos. Não, pelos demônios vingadores, pelos deuses dos infernos, não será dito que deixei os meus filhos expostos aos ultrajes dos meus inimigos. É absolutamente necessário que eles morram e sou eu que lhes darei a morte assim como fui eu que lhes dei o dia. ACABOU-SE. O FIM É INEVITÁVEL.

MENSAGEIRO – P. 51 Depois da horrível atrocidade, depois do crime que cometeste, foge, Medeía, foge e não desprezeis via nenhuma, mar ou terra, navio ou carro.

Medeia - Mas o que aconteceu que me obriga esta fuga?

Mensageiro: a filha do rei acaba de expirar com seu pai, Creonte, vítima de seus venenos.

Medeia: Feliz nova! Eu te contarei de hoje em diante entre os meus benfeitores e meus amigos.

Mensageiro: Mas, o que é isso? Ficou louca? Como pode ficar feliz ao invés de tremer com essa notícia?

Medéia: Seria muito fácil responder-te. Mas não fique com raiva de mim, amigo. Conte-me como eles morreram. Terei dobrado prazer se a morte lhes foi bem cruel

Mensageiro: contando o que aconteceu , enquanto a cena se desenrola. P. 52

Teus dois filhos tinham chegado com o pai e entraram na câmara nupcial. Quanto estávamos felizes, nós, os servidores... Espalhou-se na casa a notícia de que Jasão e Medeia haviam esquecido a contenda. Um beija a mão, outro a cabeça loura das crianças e eu mesmo, muito alegre, acompanho-os até o apartamento das mulheres. Nossa ama, que agora honramos onde estiver, ainda não tinha visto vossos dois filhos, olhava Jasão com ternura. Mas em seguida cobriu os olhos com o véu, e desviou o belo rosto, pois a vista de vossos filhos lhe causava horror. Jasão tentava acalmar a ardente cólera da moça: “Não tenha ódio – dizia – “aos que amam. Acalme sua cólera, volte os olhos para este lado e olhe como amigo os filhos de seu esposo. Você não quer receber esses presentes e pedir a su pai que poupe o exílio a essas crianças, em meu favor?” Assim que ela viu o adereço, não resistiu mais e prometeu tudo ao esposo. Teus filhos e o pai ainda não estavam longe, e ela pega o resplandecente vestido, enfia-se nele, coloca a coroa de ouro na fronte e arranja o cabelo diante de um claro espelho. Sorrindo à sua imagem. Depois se levanta e percorre o apartamento, pousando com graça no solo a deslumbrante alvura dos pés: enlevada com esses presentes, diversas vezes ela se apruma e atira um olhar aos calcanhares. Mas logo um horrível espetáculo se oferece aos nossos olhos. Ela muda de cor, recua, treme em todos os membros e é com grande dificuldade que chega ao seu trono e sobre ele se abate, exatamente no momento em que ia cair no chão. Uma velha escrava, que a julga presa do furor de Pã ou de qualquer outro deus, começa a urrar, até o momento em que vê uma espuma branca sair-lhe da boca, seus olhos se abaterem, o sangue se lhe retirar das veias. Então os gritos religiosos dão lugar aos grito de dor. Logo correm as escravas, uma à casa de seu pai, outra para o novo esposo, a fim de lhes anunciar o que acontece à jovem senhora e todo o palácio ressoa de passos precipitados. A infeliz que já havia perdido a fala e a vista, se acorda, dando um profundo suspiro. O flagelo a ataca ao mesmo tempo de dois lados: o diadema de ouro que lhe cinge a fronte lança jatos de devoradora chama; e o fino tecido, presente das crianças, consome as delicadas carnes da infortunada. Ela se levanta e corre inteiramente em fogo. Sacode em todos os sentidos a cabeça e os cabelos, queria dela arrancar a coroa, mas o diadema de ouro fica nele fixado e, cada vez que agita a cabeleira, dela faz brotar uma chama mais viva. Cai, enfim, ao chão vencida pelo sofrimento, irreconhecível para outro qualquer que não fosse pai. Não se podia distinguir nem o lugar dos olhos, nem os traços de seu belo rosto. Do alto de sua cabeça jorrava o sangue no meio das chamas, e as carnes, roídas pela invisível mordedura do veneno se destacavam dos ossos e escorriam como as lágrimas do pinheiro, espantoso espetáculo! Ninguém ousava tocar no cadáver; sua sorte era para nós uma lição. Entretanto, o infeliz pai, precipita-se sobre o corpo da filha e solta gritos dilacerantes. Aperta-a entre os braços, cobre-a de beijos e lhe fala: “Infeliz criança, que deus a fez perecer com esta terrível morte? Por que não posso morrer com você, minha filha?”

CORO: P. 54 – O destino parece hoje acabrunhar Jasão com todos os males que mereceu. Quanto lastimamos sua sorte, desventurada filha de Creonte, tu a quem o himeneu de Jasão faz atravessar as portas do Hades!

MEDÉIA: Amigas, minha decisão está tomada: quero, sem tardar, matar eu mesma meus filhos e fugir desta terra, em vez de expô-los a perecer sob os golpes de mão inimiga. É absolutamente necessário que morram e já que é preciso, sou eu que lhes darei morte, como fui eu que lhes dei a vida. Vamos, o que espera? Recuar diante de um ato terrível , mas necessário, é uma covardia. Vamos, mão infeliz, toma o punhal, toma-o. Vai Medeia, entra nesse caminho de dores que se abre a sua frente. Não enfraqueças, não te lembres de que tens filhos, que eles te são caros, que lhes deste a luz. Mas, no curto espaço ao menos neste dia, esquece-os e, em seguida, chora! Vai matá-los, e não são menos caros por isso; eu sou bem desgraçada.

Coro: p. 55 - Ó Terra

AS CRIANÇAS: (GRITAM ATRÁS DA CENA)

CORO: Ouves? Ouves esse grito de crianças? Ah! Desgraçada mulher! Destino cruel!

PRIMEIRA CRIANÇA: AI de mim! Que fazer? Como fugir de minha mãe?

SEGUNDA CRIANÇA: Eu não sei, irmão querido! Estamos perdidos!

CORO: Vamos? Vamos todos socorrer essas crianças que estão matando?

AS CRIANÇAS: Sim, socorro, em nome dos deuses! Rápido! Olha a faca! Olha a faca!

CORO: Miserável! Tens o coração de pedra! Tens gelo dentro do peito! Como podes com as tuas próprias mãos ferir a tua própria cria? Que mais pode acontecer de tão horrendo?

JASÃO: Mulheres de Corinto, acaso vistes Medeia, a que acaba de cometer várias atrocidades? Está ainda aí? Ou já fugiu? Será que ela pensa que pode escapar impune depois de haver assassinado os senhores deste país? Mas não é com Medeia que me preocupo, é com meus filhos...vim salvá-los. Temo que os parentes do rei causem algum mal a eles para vingarem o assassinato.

CORO: Infortunado Jasão, não sabes de nada...

JASÃO: O que é? Digam-me... acaso ela quer me matar também?

CORO: TEUS FILHOS FORAM MORTOS PELA PRÓPRIA MÃE!

JASÃO: (desesperado): CÉUS, O QUE ME DIZES?

CORO: SIM, SEUS FILHOS JÁ NÃO VIVEM. ABRE A PORTA E VERÁS AS CRIANÇAS ASSASSINADAS.

MEDEIA: (NO CARRO ALADO COM OS CORPOS DAS CRIANÇAS): EIS-NOS AQUI NO CARRO QUE GANHEI DE MEU AVÔ, O SOL, PARA LIVRAR-ME DOS ATAQUES DOS INIMIGOS! SE QUISER PODES FALAR-ME, MAS NÃO PODERÁS ATINGIR-ME NUNCA!

JASÃO: Ó MONSTRO! Ó MULHER EXECRÁVEL, QUE CAUSA HORROR AOS DEUSES, A MIM, A TODO GÊNERO HUMANO! COMO PÔDE MATAR SEUS PRÓPRIOS FILHOS? TIRASTE-ME A VIDA! QUE MORRAS! AGORA SEI QUEM VERDADEIRAMENTE É MEDEIA! MAIS TERRÍVEL DO QUE A TUA PRÓPRIA FAMA! ACORDO AGORA DO DESATINO QUE COMETI UNINDO-ME A TI. TU ÉS UM MONSTRO! COMEÇOU ASSASSINANDO SEU IRMÃO, DEPOIS GLAUCE E CREONTE E, QUEM ACREDITA, OS PRÓPRIOS FILHOS! NÃO DEVE EXISTIR NEM NO CÉU E NEM NA TERRA MULHER PIOR QUE VOCÊ. E PENSAR QUE EU A ESCOLHI COMO ESPOSA. TU NÃO ÉS MULHER, ÉS UMA LEOA FEROZ, UM MONSTRO MAIS SELVAGEM QUE A TIRRÊNIA CILA!

MEDEIA: NÃO ME IMPORTO COM NADA O QUE DIZES. LEOA FEROZ OU CILA, EU SOUBE COMO ATINGI-LO.

JASÃO: Ó, MEUS FILHOS, QUE MONSTRO DE MÃE ENCONTRASTES!

MEDEIA: Ó MEUS FILHOS, FOI A PERVERSIDADE DE SEU PAI QUE ME DEIXOU ASSIM.

JASÃO: AO MENOS, NÃO FUI EU QUE OS ASSASSINOU.

MEDEIA: FOI SIM, FOI TEU NOVO CASAMENTO.

JASÃO: QUER DIZER QUE A MORTE DELES FOI A SUA VINGANÇA?

MEDEIA: PENSA QUE A INJÚRIA FOI POUCA?

JASÃO: TALVEZ PARA UMA MULHER NORMAL SIM, NÃO PARA A TERRÍVEL MEDEIA.

MEDEIA: ODEIO SUAS PALAVRAS.

JASÃO: E EU AS SUAS. ACABEMOS COM ISSO, DEIXA-ME ENTERRAR E CHORAR MEUS FILHOS.

MEDEIA: COMO? ENTERRAR SEUS FILHOS? MAS É CLARO QUE NÃO. TU NÃO TOCARÁS EM UM FIO DE CABELO DELES. EU QUE VOU FAZER SOZINHA AS CERIMÔNIAS DO ENTERRO, DEPOIS, VOU MORAR NA TERRA DE EGEU. QUANTO A TI, HAVERÁ DE PERECER MISERAVELMENTE COM A SUA DOR, COMO MERECES.

JASÃO: AH! INFELIZ QUE SOU, QUANTO EU GOSTARIA DE BEIJAR AINDA SEUS LÁBIOS QUERIDOS!

MEDEIA: NÃO FOSTE TU MESMO QUE OS REPELISTES. AGORA É TARDE.

JASÃO: EM NOME DOS DEUSES, DEIXA QUE EU TOQUE O CORPO ENCANTADOR DE MEUS FILHOS!

MEDEIA: NÃO, TUA SÚPLICA É INÚTIL. NÃO! NÃO! NÃO!

JASÃO: ZEUS, VEJA DE QUE MODO ELA ME TRATA, ESSA LEOA EXECRÁVEL, ESSE MONSTRO MACULADO PELA MORTE DE SEUS PRÓPRIOS FILHOS? ELA, ALÉM DE TÊ-LOS MATADO AINDA ME IMPEDE DE SEPULTAR OS CORPOS GELADOS DE MEUS FILHOS. PUDERA O CÉU NÃO TIVESE LHES DADO A VIDA PARA VÊ-LOS TRUCIDADOS POR ESSA MEGERA.

JASÃO: DESGRAÇA, DESGRAÇA SOBRE TI, MONSTRO ODIOSO, CARRASCO DE TEUS FILHOS!

CORO: ZEUS, DO ALTO DO OLIMPO, DETERMINA O RUMO DE MUITOS ACONTECIMENTOS, E MUITAS VEZES OS DEUSES ENGANAM NOSSAS PREVISÕES NA EXECUÇÃO DE SEUS DESÍGNIOS. O QUE ESPERAVA NÃO ACONTECE E UM DEUS ABRE O CAMINHO A ACONTECIMENTOS QUE MENOS SE ESPERAVAM. ESSA É A CONCLUSÃO DESSE DRAMA.

Profa.Mestre Fabília Aparecida Rocha de Carvalho

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