domingo, 1 de janeiro de 2012

Entrei no palco, interpretando a Ama de Medeia (por insistência dos alunos), a primeira cena da tragédia. Estava sangrando!... quando me arrumei nos bastidores, simplesmente amarrei os panos por cima da roupa, fiz sozinha minha maquiagem e lá fui. Com a cortina ainda fechada, senti o clima do espetáculo: os alunos estavam num burburinho intenso, maquiando-se, arrumando suas personagens, fotografando. Vivi isso com todas as minhas vísceras!!! Ama: Pelos deuses, que o navio Argos jamais tivesse voado sobre as ondas para a terra de Colcos; que jamais os valentes heróis tivessem ido em busca do velocino de ouro! Medeia, minha querida senhora, não teria navegado para os muros de Iolcos, apaixonada por Jasão... e se não tivesse persuadido as filhas de Pélias a assassinarem o pai não habitaria com o esposo e os filhos a terra de Corinto, onde até há pouco era querida pelos cidadãos, onde vivia em harmonia com Jasão (tudo fica bem enquanto não chega uma terceira pessoa), pois, agora está cercada pelo ódio e ameaçada naquilo que tem de mais caro. Traindo os filhos e a minha ama, Jasão desposou a filha de Creonte, que reina nesta região. E a infeliz Medeia, ultrajada, clama contra a traição, e toma os deuses por testemunhas pela ingratidão de Jasão. Está lá, jogada na cama, não que comer nada, entregue, chorando desde que sabe da traição do esposo. Às vezes, torna o belo pescoço em direção ao querido pai, a sua pátria que abandonou para seguir o homem que lhe causou tamanha infelicidade. Sabe agora a desafortunada que não se deve abandonar a terra natal. Odeia os filhos e contemplá-los não lhe alegra mais o coração. Tremo à ideia que medite algum golpe imprevisível. É uma alma violenta; não suportará essa injúria: eu a conheço, ela me assusta. Temo que ela enterre no peito um ferro afiado no silêncio de seus aposentos, ou mate a filha do rei e aquele que desposou e, assim, atraia maiores calamidades. Ela é terrível e é mais certa a perda de seus adversários. Mas eis as crianças que voltam da escola sem pensar nas infelicidades da mãe; as almas jovens não conhecem o sofrimento.

Nenhum comentário:

Postar um comentário