“Eu e eu”
Nossa, muito esquisito o momento
pelo qual passo. Jamais imaginei que teria câncer um dia, mas também, quem
imagina? Por falar que não, às vezes eu perguntava às cartas e saía “A LUA”, porém
eu me importava pouco.
Na realidade, eu nunca tinha nem
gripe. Não me lembro da última vez que a tive, mas deve ter sido em mil
novecentos e bolinha. Minhas indisposições limitavam-se a uma raspadinha de
garganta, que logo passava, quando
tomava ar frio. Quando criança ficava sempre constipada, depois de adulta, nem
isso. Meu nariz comportou-se muito bem nos últimos anos.
Hoje, olho-me e é difícil
acreditar... por outro lado, a enfermidade revelou minha grande força interior.
Jamais desanimei, sem calcular resultados, enfrentei, em primeiro lugar, o
pânico; acabei com ele, derrotei-o e não tinha outro jeito. Preparei-me para
todos os exames invasivos e doloridos. Ah, é quimioterapia? Que venha! É
radioterapia? Que venha? Mielograma? Exame de liquor? Videocolonoscopia? Hum?
Pia...pia...piaaa.... Que venha!!!!
No início, foi mais leve, não
tinha dor, meus cabelos foram preservados por quase um ano, já que Mitomicina C
e 5-FU não os derrubam. Cisplatina sim, então quando passei a recebê-la, não
que meus cabelos tenham despencado de vez, mas começaram a ficar como uma palha
e caíam bastante. Assim, no final de 2010, passei a máquina 2 nos cabelos e
adorei o resultado. Não chorei o fim dos meus cabelos! Além do mais, jamais me
descuidei da minha aparência. Passei a usar chapéus, diferentes tipos de
turbantes, bandanas, lenços. Porém, meus cabelos despencaram mesmo foi com as
dez sessões de radioterapia que fiz em fevereiro. Nunca vi igual. Só que eles
caíram nos pontos onde incidiram os raios, portanto sobraram alguns cabelinhos
branquinhos ainda. Não tenho nada a reclamar, aliás estou preferindo sair de
careca limpa do que usar os subterfúgios.
Mas, voltando à enfermidade, no
frigir dos ovos, depois de muitos dias de internação em que pensei que meu
bilhete iria ser chamado, cá estou eu lutando. Não há o que pensar...não há o
que pensar... só há para respirar, viver, procurar alegria em cada momento,
celebrar a vida a cada minuto, amar.... uma novidade essa nova forma de amar
tão profunda que merece um outro texto.
Sou sempre muito ativa: leio os
jornais, meus livros preferidos, faço palavras cruzadas, sudoku, assisto filmes
com a Talita, arrumo-me e saio de casa, mas nem que seja para ir até à praça,
interajo com amigos no face etc.
O que muda com a enfermidade?
Ah...não dá para fugir do calibramento da lente distorcida pela qual enxergava
o mundo. Observo tudo, reavalio tudo e constato meus equívocos, que já
passaram, e eu não sou de chorar leite derramado. Foi como foi e não seria de
outra forma. Então o “eu e eu” não é, de maneira nenhuma, pesado. Digo que meu
útero é uma flor, porque dele saíram flores que são o maior encanto desta fase.
Assim vou, deixando fluir....
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