quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Homem branco x mulher negra/ homem negro x mulher branca


Homem negro x mulher branca/ homem branco x mulher negra

Essas dicotomias funcionam de maneiras muito distintas. Dando uns passos na linha do tempo, recordamos que a mulher negra foi o esteio da família (?) negra na sociedade pós-escravocrata.  Ela que fazia quitutes, lavava, passava, trabalhava de doméstica nos lares brancos, servia de ama de leite aos pequeninos bebês, cujas mães tinham dificuldade para amamentar seus rebentos. Dessa maneira, sozinha, a mulher negra sustentava seus filhos, pois o homem negro estava desempregado, desmoralizado e entregue ao alcoolismo, segundo antropólogos, historiadores e sociólogos como Florestan Fernandes,  Gramsci, Mourão, Lilia Moritz Schwarcz, Kabengelê Munanga e outros.
Teresinha Bernardo, em sua obra Memória em branco preto: olhares sobre São Paulo, descreve a situação de homens e mulheres descendentes de escravos na São Paulo do começo do século XX, comparando com homens e mulheres descendentes de imigrantes italianos.
No mesmo cenário, vivia-se realidades muito diferentes. Enquanto os negros ocupavam o espaço da Rua Direita, no centro de São Paulo, os brancos faziam “footing” na praça da República. Mas isso  é o de menos. A família imigrante já desembarcava em solo brasileiro com planos bem definidos. Os que chegavam primeiro acolhiam os recém-chegados, vivenciando uma corporatividade sem igual. Era uma luta para que em cada família tivesse um padre, um médico e, se não me engano, um professor. Fundaram o Brás, iniciaram fabriquetas de fundo de quintal e, aos fins de semana, quem passeasse pelo centro da cidade, ouvia mais italiano do que português.
Bernardo relata sobre a tradição imigrante, as joias da família, os bailes de formatura, enfim, como começou aqui esse povo que, mais tarde, fez parte de “Paulicéia desvairada”. Já os descendentes de escravos, na época, lutavam por manter uma tradição a duras penas, pois as vários manifestações da cultura negra eram proibidas e perseguidas. Até o carnaval era no Brás sem a presença de pessoas de “pele escura”.
A “Mãe Preta” alimentou São Paulo com suas fartas tetas! O homem negro começou a aprumar-se com os empregos nas estradas de ferro e na Light. A família negra adquire alicerce e, na terceira metade do século XX, já tínhamos engenheiros, advogados, professores que continuaram discriminados, afinal os ecos da tese da supremacia racial (eugenia), reverberavam da Europa para o Brasil.
O bairro Higienópolis foi criado com o objetivo de “higienizar”, já que se tornou periferia e era a saída dos negros empurrados pelo progresso a se mudarem cada vez mais longe do centro. E assim continua até hoje; o mercado imobiliário seleciona.
Os relacionamentos multirraciais sempre existiram. No caso, o homem branco procurava relacionamentos lascivos com as negras desde a senzala e continua assim até hoje! (“Fazer amor de madrugada – em cima da cama, debaixo da escada; amor com jeito de virada – de noite a patroa, de dia, a empregada”). Sinhazinha também não resistia a um belo dorso brilhante ao sol dos eitos... a negra perpetuou-se como “amante” (“a carne mais barata do mercado é a carne negra”), em contraposição à branca que passou a ser “esposa”. Muitos dos nossos varões, assim que se viram emancipados, entenderam que não deveriam credenciar sua própria raça, salvo exceções, quando o amor prevaleceu mesmo.
Atualmente, assistimos a emancipação econômica de grupos sem instrução que, na verdade, nem se categorizam como negros, em plena posse de seu “kit”: correntes de ouro no pescoço, uma loira e uma pajero. Na realidade, existiu uma época em que havia o tipo “branca para preto”: feia, gorda, burra, muito usada,  mas branca!!! ...
A abrangência deste assunto dá uma tese; aliás, existem várias e quem se interessa pelo assunto e tem opinião e não “achismos”, que vá direto às fontes fidedignas que tenham resultados de pesquisas.
Fabília A.R. Carvalho
Mestre em Literatura

BOBOBOBOBOBOB



                                                              BOB PENSA QUE É GENTE!!!!!!!

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012


Papai com o coral da terceira idade na FMU/2010



PAPAI

Até o ator Paulo Goulart... teve a honra de conhecer meu papai (bastidores da novela "Esperança")


                                            Em Sampa, na Liberdade/2010
                                      Em Piracicaba, recebendo homenagem na Biblioteca Municipal
                                        Papai discursando no Teatro Municipal de Piracicaba

BOB




EU E AYNI

                                                                 JANEIRO/2010
                                                        EU E AYNI EM ARACAJU

ANTONIO ROGÉRIO E CHICO QUEIROGA

                                           

                                    ANTONIO ROGÉRIO E   CHICO QUEIROGA NA FSLF/2009




FESTA DOS PAIS EM OURO PRETO/2010
REPÚBLICA HAREM









ARARAQUARA: foi nesta casa que meus filhos cresceram!







SENAI/2009










GILDERLAN, EU, LUCIANA E 

sábado, 18 de fevereiro de 2012


Até hoje quando passo pela mansão de Dona Lila Novaes, referencio o casarão fantástico que me traz gratas e incomparáveis recordações de momentos muito felizes da minha infância. Foi ali que tive minhas primeiras aulas de piano, com a Dona Silvinha, a filha mais velha que, então, era uma meiga jovem atenciosa e dedicada. Tudo naquela casa parecia ter saído direto das páginas de Grimm, Perrault e Andersen; minha curiosidade infantil investigava as sensações prazerosamente: os sons do piano misturados aos odores amanteigados que vinham da cozinha “sol mi mi, fa ré ré, do ré mi fá sol sol sol....”, e, às vezes, o palpite indiscreto de um papagaio. ...aquelas manhãs eram plenas e saborosas... havia a varanda envidraçada com redes e muitas plantas e num andar bem mais baixo, a lavanderia e o pomar. Eu excursionava por todos esses lugares!
A casa de Dona Lila era palco de muitas atividades. Havia as noites de sessão espírita, as médiuns todas de branco, inclusive minha mamãe. O amor era a tônica dos trabalhos e eu sentia a grandiosidade daquilo, mesmo sem entender tudo, afinal, eu tinha cinco anos. Recebia o carinho da espiritualidade amiga e tomava a águinha de Jesus com respeito.
Havia também os dias de festas, estes os mais apreciados: casa iluminada, doces, salgados e o irresistível ponche, não deliberado para crianças, mas eu sempre conseguia. Como resistir a uma bebida tão colorida, tão doce, tão “ai”....?
Outra casa encantada da minha infância era a da Dona Maria do Seu Alfredo. Era a casa da cura, porque eu brincava num parque bem em frente e não mais de uma vez, entrei lá berrando procurando por socorro. Ali também era um ponto de luz. Equipe firme de desobsessão! Na época, as reuniões eram feitas em casa, porque não havia centros espíritas suficientes; médiuns sérios, conscientes, a caridade acontecia sem problemas.
O parque infantil era adorado. Vários brinquedos atrativos; melhor que a piscina, só o poste gigante, brinquedo que exigia certa habilidade.  Voávamos em torno de um poste de ferro, correndo, dando impulso com o corpos e segurando nos estribos das correntes. As mãozinhas ficavam um calo só, mas a liberdade do corpinho cortando o ar......”o bonde”  e todas caprichavam nas manobras...
Maluco mesmo era o quintal da casa do avô! Cheio de jabuticabeiras, esse quintal era o nosso QG. Ele merece artigo especial!

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

PROFISSÃO MULATA?


PROFISSÃO MULATA?

Desde quando existe este código no livro das profissões? Isso é sim uma saga que perpetua a mulher negra como produto de consumo e quando chega o carnaval, move milhões, traz turistas de todas as partes do mundo para o paraíso da libertinagem (na ideia deles).
Sempre me indignei com esse fato; ainda muito jovem eu já dizia que minha massa cinzenta estava no meu cérebro e não nos meus glúteos. O carnaval que já foi pleno sinônimo de resistência cultural foi mudando, perdendo características até se transformar nessa grande fonte de renda que é hoje... e o dinheiro vai para quem? Porque o carnavalesco  só vive uns dias de realeza para retornar a nada fácil lida diária.
Felizmente, na minha família, não temos essa cultura, ou, pelo menos, em casa. Brincamos carnaval, mas nunca foi um foco na nossa vida. E, quando adultos,passamos a entender a valorização da nossa cultura referenciada também no carnaval, mas sempre preferimos referenciar também outros aspectos da cultura negra. ZUMBI, sempre presente! História de quilombos e resistências, Chico Rei, a revolta do Malês, da Chibata e tantas outras.
Quando vejo escola de mulatas....aaffffeeee.... sem comentários.... não sou totalmente contra e, talvez, não esteja bem informada, mas gostaria de saber que essas moças têm profissão, são conscientes, sobrevivem de outra fonte que não a “bunda”.




quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Papaizinho maravilhoso!!! Sinto muito orgulho por ser sua filha. Vc só me ensinou coisas lindas e puras. A arte pulsa em nossas veias, a sensibilidade nos une e nos eleva!

Saudade

Irmãzinha, saudade de doer de todos os nossos momentos... quando eu chegava de viagem e você abria a minha mala, buscando novidades... dos nossos porres nas baladas de Piracicaba,...das nossas coreografias... lembra, Salvador 1985? eu, Juninho menino,vc e Vivi... a querida Vivi!!! Nada paga!

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

TCHAU!!!!

A FÉ NOS PROPORCIONA ISSO: CALMA NOS MOMENTOS CRÍTICOS, PAZ NOSMOMENTOS DE ATRIBULAÇÃO; CONSOLO....PENA QUE AAAINDA\RESTA UMPENSAMENTOZINHO HUMANO DO QUAL PECISO ME DESPREENDER, MAS DE QUALQUER FORMA: TOMA , LAGARTO!!!! ESTA SOU EU, SEM ASSÉDIO MORAL, SEM MENOPAUSA E NA GL[ORIA DE DEUS, PRESTES A . VCS CONSEGUIRAM DESPERTAR O QUE NEM EU SABIA O QUE EU POSSUÍA. MUITO OBRIGADA! PERDOO TODO OS EQUÍVOCOS.VOU EM PAZ. DEIXANDO AS SEMENTES QUE PLANTEI: QUATRO FILHOS DECENTES E MARAVILHOSOS, EX-ALUNOS QUE SEMPRE SOUBERAM QUEM EU ERA E O RESTO É O RESTO. ESSE É O MOMENTO MOR DA VIDA DE UM PESSOA.... E O MEU ESTÁ SENDO GREAT!!!! EU ACREDITO NO AMOR E SEMPRE ME DECEPCIONEI COM UM MNDO TÃO CARENTE DESSE SENTIMENTO. EU SEMPRE FUI SINCERA, ENTREGUEI-ME DE BANDEJA AOS MAUS INTENCIONADOS. ESSA SOU EU AINDA. AMO DE VERDADE!!!



quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Inspiração


Minha pena não está calada
Se meu coração não
Se minha mente não
Meu corpo desequilibra
A inspiração calibra
As dores judiam
As lágrimas rolam
 Existo, insisto.

Preta Fá

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Tombos

Domingo último, pronta para ir para São Paulo, depois de vários tombinhos, papai verificou que eu não tinha condições de viajar naquele estado. Liguei para a Talita que foi conivente com o avô. Como essa QT que tomo é experimental, ela concluiu que não comparecer não acarretaria graves consequências e que eu deveria ser atendida imediatamente num hospital aqui em Pira mesmo. Fui com papai para a emergência da UNIMED, fiz um ECG, bem  como preciso passar por um neurologista. Essa história do desequilíbrio está complicada. Estou toda roxa dos tombos, felizmente, sem graves consequências. Aqui tem escadas pata todos os lados, e eu preciso subir urgente para tomar um banho. Procuro uma cuidadora, assim não dá!

sábado, 4 de fevereiro de 2012


Momentos da colação de grau da Turma "Fabília Aparecida Rocha de Carvalho", Letras, Faculdade São Luís de França, Aracaju, Sergipe, 03/02/2012.


A oradora Ana Regina


                                           Jaqueline, Grasielle, Michelaine, Alex e Evelyn


Momentos da colação de grau da Turma "Fabília Aparecida Rocha de Carvalho", Letras, Faculdade São Luís de França, Aracaju, Sergipe, 03/02/2012.







sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012


Momentos da colação de grau da turma "Fabília Aparecida Rocha de Carvalho", Letras, Faculdade São Luís de França, Aracaju, Sergipe, 03/02/2012.

Momentos da colação de grau da Turma "Fabília Aparecida Rocha de Carvalho", Letras, Faculdade São Luís de França, Aracaju, Sergipe, 03/02/2012.



DEUS ESTÁ MORRENDO?


quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Cunversa de sertanejo





Cunversa de sertanejo

Tomava uma cachaça num botequinho rústico, luz de lamparina e chão de terra. Àquelas horas da noite, a sinistra cidade já dormia em meio à neblina.
Papo vai, papo vem, cachaça vai, cachaça vem, ouvi uma estória que me colocou alerta.
“Uma vez, meu pai pegou  ‘um’  cascavel, enfiou dentro de um saco e dipindurô no teto da cuzinha. Tudas tarde, quando chegava da mata, pegava  de um pedaço de pau e batia no cascavel. O cascavel, perto da hora de meu pai chegá, já começava a si mexê agitado dentro do saco.”
Fiquei pensando, porque “o” cascavel; mas, é claro, um réptil tão perigoso assim, tão temido, não poderia ser “a”... questão de gênero e de ideologia; o masculino é sempre mais forte. Semanticamente, o gênero é tão relevante ao idioma que, para as línguas que não possuem neutro, fica complicada a classificação das coisas. Por exemplo, em francês, o mar é “la mer”; para o português um mar feminino perde todo o sentido natural, místico e poético.
“Mas porque seu pai batia assim no cascavel?”
“Pra ele dexá de sê mau. Depois de um bom tempo, meu pai soltô o cascavel, que saiu nas carrera. Apostu que aquele nunca mais ia mordê ninguém”.
Tomei mais um gole de cachaça e respirei fundo.

Desconforto

Hoje, 03 de fevereiro, estou bem desconfortável. Parece não haver posição boa para sossegar! Se deito, logo vem  dor de cabeça e tosse com vomitos; sentada muito tempo, dor na coluna e como se não bastasse meu olho direito desde ontem está ardendo...parece o começo de uma conjuntivite.
Tenho químio segunda, 06, e preciso estar bem., senão atrasa o tratamento. Aliás, na próxima semana, correria em Sampa: QT, exames preparatórios para Tomo de cabeça, tórax, abdomen total e pelve. Como tomo anestesia geral, tenho de fazer um eletrocardiograma. Ufa, estou bem cansada...voltei a perder o equilíbrio...acredito que o vilão causador disso é o paracetamol que tomo para as terríveis dores de cabeça.
O Georgino, pai dos meus filhos, mandou-me dois medicamentos homeopáticos: um para o sistema nervoso, outro é aveloz (Euphorium turicallis). Muito bom, com certeza, aumentarão minha sobrevida.

Ontem...hoje...


Ontem, saúde, sol, praia, alegria, amigos
Hoje, doença, hospital, solidão, dor, lágrimas
Ontem, Bob sem juízo perdido na Atalaia
Hoje, Bob ajuizado às margens do Piracicaba
Ontem, caranguejo; hoje câncer
Ontem, sonhos; hoje, enjoos
Saúde, sol, alegria...
Dor, câncer, solidão...
Ontem, fé; hoje, fé 

Preta Fá

VILÃO


Vilão

Ao vê-lo pela primeira vez pensei
Que velhinho interessante
Carinha de sapinho simpático
 
À razão, cautelosa, entreguei-me
Um hominho desses, tranquilo
Feinho, faz figura. Relaxei.

Quem vai querer esse baixinho?

 Foi só decepção, era um vilão!

Preta Fá

DOR


                DOR

Égua xucra cavalga em praia deserta
Relincha numa noite de lua cheia
As bastas crinas sacode esperta
Bate com força as patas na areia
Desafia destemida as ondas do mar
 Estaca a infinda corrida para coçar
O belo dorso em uma palmeira

Empina tentando morder estrelas
De Possidon olvida as gargalhadas
Para delírio das  muitas sereias
E susto das doces suaves ondinas
Corre a égua em nuvens de areia
 Sem rumo sem tino sem nada
 Só o desesperado amargo agora

   Preta Fá


quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

O percurso gerativo de sentido em "A cartomante", de Machado de Assis

A Cartomante
                                                                                                        Machado de Assis

Hamlet observa a Horácio que há mais cousas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia. Era a mesma explicação que dava a bela Rita ao moço Camilo, numa sexta-feira de Novembro de 1869, quando este ria dela, por ter ido na véspera consultar uma cartomante; a diferença é que o fazia por outras palavras.

— Ria, ria. Os homens são assim; não acreditam em nada. Pois saiba que fui, e que ela adivinhou o motivo da consulta, antes mesmo que eu lhe dissesse o que era. Apenas começou a botar as cartas, disse-me: "A senhora gosta de uma pessoa..." Confessei que sim, e então ela continuou a botar as cartas, combinou-as, e no fim declarou-me que eu tinha medo de que você me esquecesse, mas que não era verdade...

— Errou! Interrompeu Camilo, rindo.

— Não diga isso, Camilo. Se você soubesse como eu tenho andado, por sua causa. Você sabe; já lhe disse. Não ria de mim, não ria...

Camilo pegou-lhe nas mãos, e olhou para ela sério e fixo. Jurou que lhe queria muito, que os seus sustos pareciam de criança; em todo o caso, quando tivesse algum receio, a melhor cartomante era ele mesmo. Depois, repreendeu-a; disse-lhe que era imprudente andar por essas casas. Vilela podia sabê-lo, e depois...

— Qual saber! tive muita cautela, ao entrar na casa.

— Onde é a casa?

— Aqui perto, na rua da Guarda Velha; não passava ninguém nessa ocasião. Descansa; eu não sou maluca.

Camilo riu outra vez:

— Tu crês deveras nessas coisas? perguntou-lhe.

Foi então que ela, sem saber que traduzia Hamlet em vulgar, disse-lhe que havia muito cousa misteriosa e verdadeira neste mundo. Se ele não acreditava, paciência; mas o certo é que a cartomante adivinhara tudo. Que mais? A prova é que ela agora estava tranqüila e satisfeita.

Cuido que ele ia falar, mas reprimiu-se. Não queria arrancar-lhe as ilusões. Também ele, em criança, e ainda depois, foi supersticioso, teve um arsenal inteiro de crendices, que a mãe lhe incutiu e que aos vinte anos desapareceram. No dia em que deixou cair toda essa vegetação parasita, e ficou só o tronco da religião, ele, como tivesse recebido da mãe ambos os ensinos, envolveu-os na mesma dúvida, e logo depois em uma só negação total. Camilo não acreditava em nada. Por quê? Não poderia dizê-lo, não possuía um só argumento; limitava-se a negar tudo. E digo mal, porque negar é ainda afirmar, e ele não formulava a incredulidade; diante do mistério, contentou-se em levantar os ombros, e foi andando.

Separaram-se contentes, ele ainda mais que ela. Rita estava certa de ser amada; Camilo, não só o estava, mas via-a estremecer e arriscar-se por ele, correr às cartomantes, e, por mais que a repreendesse, não podia deixar de sentir-se lisonjeado. A casa do encontro era na antiga rua dos Barbonos, onde morava uma comprovinciana de Rita. Esta desceu pela rua das Mangueiras, na direção de Botafogo, onde residia; Camilo desceu pela da Guarda velha, olhando de passagem para a casa da cartomante.

Vilela, Camilo e Rita, três nomes, uma aventura, e nenhuma explicação das origens. Vamos a ela. Os dois primeiros eram amigos de infância. Vilela seguiu a carreira de magistrado. Camilo entrou no funcionalismo, contra a vontade do pai, que queria vê-lo médico; mas o pai morreu, e Camilo preferiu não ser nada, até que a mãe lhe arranjou um emprego público. No princípio de 1869, voltou Vilela da província, onde casara com uma dama formosa e tonta; abandonou a magistratura e veio abrir banca de advogado. Camilo arranjou-lhe casa para os lados de Botafogo, e foi a bordo recebê-lo.

— É o senhor? exclamou Rita, estendendo-lhe a mão. Não imagina como meu marido é seu amigo; falava sempre do senhor.

Camilo e Vilela olharam-se com ternura. Eram amigos deveras. Depois, Camilo confessou de si para si que a mulher do Vilela não desmentia as cartas do marido. Realmente, era graciosa e viva nos gestos, olhos cálidos, boca fina e interrogativa. Era um pouco mais velha que ambos: contava trinta anos, Vilela vinte e nove e Camilo vente e seis. Entretanto, o porte grave de Vilela fazia-o parecer mais velho que a mulher, enquanto Camilo era um ingênuo na vida moral e prática. Faltava-lhe tanto a ação do tempo, como os óculos de cristal, que a natureza põe no berço de alguns para adiantar os anos. Nem experiência, nem intuição.

Uniram-se os três. Convivência trouxe intimidade. Pouco depois morreu a mãe de Camilo, e nesse desastre, que o foi, os dois mostraram-se grandes amigos dele. Vilela cuidou do enterro, dos sufrágios e do inventário; Rita tratou especialmente do coração, e ninguém o faria melhor.

Como daí chegaram ao amor, não o soube ele nunca. A verdade é que gostava de passar as horas ao lado dela; era a sua enfermeira moral, quase uma irmã, mas principalmente era mulher e bonita. Odor di femina: eis o que ele aspirava nela, e em volta dela, para incorporá-lo em si próprio. Liam os mesmos livros, iam juntos a teatros e passeios. Camilo ensinou-lhe as damas e o xadrez e jogavam às noites; — ela mal, — ele, para lhe ser agradável, pouco menos mal. Até aí as cousas. Agora a ação da pessoa, os olhos teimosos de Rita, que procuravam muita vez os dele, que os consultavam antes de o fazer ao marido, as mãos frias, as atitudes insólitas. Um dia, fazendo ele anos, recebeu de Vilela uma rica bengala de presente, e de Rita apenas um cartão com um vulgar cumprimento a lápis, e foi então que ele pôde ler no próprio coração; não conseguia arrancar os olhos do bilhetinho. Palavras vulgares; mas há vulgaridades sublimes, ou, pelo menos, deleitosas. A velha caleça de praça, em que pela primeira vez passeaste com a mulher amada, fechadinhos ambos, vale o carro de Apolo. Assim é o homem, assim são as cousas que o cercam.

Camilo quis sinceramente fugir, mas já não pôde. Rita, como uma serpente, foi-se acercando dele, envolveu-o todo, fez-lhe estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe o veneno na boca. Ele ficou atordoado e subjugado. Vexame, sustos, remorsos, desejos, tudo sentiu de mistura; mas a batalha foi curta e a vitória delirante. Adeus, escrúpulos! Não tardou que o sapato se acomodasse ao pé, e aí foram ambos, estrada fora, braços dados, pisando folgadamente por cima de ervas e pedregulhos, sem padecer nada mais que algumas saudades, quando estavam ausentes um do outro. A confiança e estima de Vilela continuavam a ser as mesmas.

Um dia, porém, recebeu Camilo uma carta anônima, que lhe chamava imoral e pérfido, e dizia que a aventura era sabida de todos. Camilo teve medo, e, para desviar as suspeitas, começou a rarear as visitas à casa de Vilela. Este notou-lhe as ausências. Camilo respondeu que o motivo era uma paixão frívola de rapaz. Candura gerou astúcia. As ausências prolongaram-se, e as visitas cessaram inteiramente. Pode ser que entrasse também nisso um pouco de amor-próprio, uma intenção de diminuir os obséquios do marido, para tornar menos dura a aleivosia do ato.

Foi por esse tempo que Rita, desconfiada e medrosa, correu à cartomante para consultá-la sobre a verdadeira causa do procedimento de Camilo. Vimos que a cartomante restituiu-lhe a confiança, e que o rapaz repreendeu-a por ter feito o que fez. Correram ainda algumas semanas. Camilo recebeu mais duas ou três cartas anônimas, tão apaixonadas, que não podiam ser advertência da virtude, mas despeito de algum pretendente; tal foi a opinião de Rita, que, por outras palavras mal compostas, formulou este pensamento: — a virtude é preguiçosa e avara, não gasta tempo nem papel; só o interesse é ativo e pródigo.

Nem por isso Camilo ficou mais sossegado; temia que o anônimo fosse ter com Vilela, e a catástrofe viria então sem remédio. Rita concordou que era possível.

— Bem, disse ela; eu levo os sobrescritos para comparar a letra com a das cartas que lá aparecerem; se alguma for igual, guardo-a e rasgo-a...

Nenhuma apareceu; mas daí a algum tempo Vilela começou a mostrar-se sombrio, falando pouco, como desconfiado. Rita deu-se pressa em dizê-lo ao outro, e sobre isso deliberaram. A opinião dela é que Camilo devia tornar à casa deles, tatear o marido, e pode ser até que lhe ouvisse a confidência de algum negócio particular. Camilo divergia; aparecer depois de tantos meses era confirmar a suspeita ou denúncia. Mais valia acautelarem-se, sacrificando-se por algumas semanas. Combinaram os meios de se corresponderem, em caso de necessidade, e separaram-se com lágrimas.

No dia seguinte, estando na repartição, recebeu Camilo este bilhete de Vilela: "Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora." Era mais de meio-dia. Camilo saiu logo; na rua, advertiu que teria sido mais natural chamá-lo ao escritório; por que em casa? Tudo indicava matéria especial, e a letra, fosse realidade ou ilusão, afigurou-se-lhe trêmula. Ele combinou todas essas cousas com a notícia da véspera.

— Vem já, já, à nossa casa; preciso falar-te sem demora, — repetia ele com os olhos no papel.

Imaginariamente, viu a ponta da orelha de um drama, Rita subjugada e lacrimosa, Vilela indignado, pegando na pena e escrevendo o bilhete, certo de que ele acudiria, e esperando-o para matá-lo. Camilo estremeceu, tinha medo: depois sorriu amarelo, e em todo caso repugnava-lhe a idéia de recuar, e foi andando. De caminho, lembrou-se de ir a casa; podia achar algum recado de Rita, que lhe explicasse tudo. Não achou nada, nem ninguém. Voltou à rua, e a idéia de estarem descobertos parecia-lhe cada vez mais verossímil; era natural uma denúncia anônima, até da própria pessoa que o ameaçara antes; podia ser que Vilela conhecesse agora tudo. A mesma suspensão das suas visitas, sem motivo aparente, apenas com um pretexto fútil, viria confirmar o resto.

Camilo ia andando inquieto e nervoso. Não relia o bilhete, mas as palavras estavam decoradas, diante dos olhos, fixas; ou então, — o que era ainda pior, — eram-lhe murmuradas ao ouvido, com a própria voz de Vilela. "Vem já, já à nossa casa; preciso falar-te sem demora." Ditas, assim, pela voz do outro, tinham um tom de mistério e ameaça. Vem, já, já, para quê? Era perto de uma hora da tarde. A comoção crescia de minuto a minuto. Tanto imaginou o que se iria passar, que chegou a crê-lo e vê-lo. Positivamente, tinha medo. Entrou a cogitar em ir armado, considerando que, se nada houvesse, nada perdia, e a precaução era útil. Logo depois rejeitava a idéia, vexado de si mesmo, e seguia, picando o passo, na direção do largo da Carioca, para entrar num tílburi. Chegou, entrou e mandou seguir a trote largo.

— Quanto antes, melhor, pensou ele; não posso estar assim...

Mas o mesmo trote do cavalo veio agravar-lhe a comoção. O tempo voava, e ele não tardaria a entestar com o perigo. Quase no fim da rua da Guarda Velha, o tílburi teve de parar; a rua estava atravancada com uma carroça, que caíra. Camilo, em si mesmo, estimou o obstáculo, e esperou. No fim de cinco minutos, reparou que ao lado, à esquerda, ao pé do tílburi, ficava a casa da cartomante, a quem Rita consultara uma vez, e nunca ele desejou tanto crer na lição das cartas. Olhou, viu as janelas fechadas, quando todas as outras estavam abertas e pejadas de curiosos do incidente da rua. Dir-se-ia a morada do indiferente Destino.

Camilo reclinou-se no tílburi, para não ver nada. A agitação dele era grande, extraordinária, e do fundo das camadas morais emergiam alguns fantasmas de outro tempo, as velhas crenças, as superstições antigas. O cocheiro propôs-lhe voltar a primeira travessa, e ir por outro caminho; ele respondeu que não, que esperasse. E inclinava-se para fitar a casa... Depois fez um gesto incrédulo: era a idéia de ouvir a cartomante, que lhe passava ao longe, muito longe, com vastas asas cinzentas; desapareceu, reapareceu, e tornou a esvair-se no cérebro; mas daí a pouco moveu outra vez as asas, mais perto, fazendo uns giros concêntricos... Na rua, gritavam os homens, safando a carroça:

— Anda! agora! empurra! vá! vá!

Daí a pouco estaria removido o obstáculo. Camilo fechava os olhos, pensava em outras cousas; mas a voz do marido sussurrava-lhe às orelhas as palavras da carta: "Vem já, já..." E ele via as contorções do drama e tremia. A casa olhava para ele. As pernas queriam descer e entrar... Camilo achou-se diante de um longo véu opaco... pensou rapidamente no inexplicável de tantas cousas. A voz da mãe repetia-lhe uma porção de casos extraordinários; e a mesma frase do príncipe de Dinamarca reboava-lhe dentro: "Há mais cousas no céu e na terra do que sonha a filosofia..." Que perdia ele, se...?

Deu por si na calçada, ao pé da porta; disse ao cocheiro que esperasse, e rápido enfiou pelo corredor, e subiu a escada. A luz era pouca, os degraus comidos dos pés, o corrimão pegajoso; mas ele não viu nem sentiu nada. Trepou e bateu. Não aparecendo ninguém, teve ideia de descer; mas era tarde, a curiosidade fustigava-lhe o sangue, as fontes latejavam-lhe; ele tornou a bater uma, duas, três pancadas. Veio uma mulher; era a cartomante. Camilo disse que ia consultá-la, ela fê-lo entrar. Dali subiram ao sótão, por uma escada ainda pior que a primeira e mais escura. Em cima, havia uma salinha, mal alumiada por uma janela, que dava para os telhados do fundo. Velhos trastes, paredes sombrias, um ar de pobreza, que antes aumentava do que destruía o prestígio.

A cartomante fê-lo sentar diante da mesa, e sentou-se do lado oposto, com as costas para a janela, de maneira que a pouca luz de fora batia em cheio no rosto de Camilo. Abriu uma gaveta e tirou um baralho de cartas compridas e enxovalhadas. Enquanto as baralhava, rapidamente, olhava para ele, não de rosto, mas por baixo dos olhos. Era uma mulher de quarenta anos, italiana, morena e magra, com grandes olhos sonsos e agudos. Voltou três cartas sobre a mesa, e disse-lhe:

— Vejamos primeiro o que é que o traz aqui. O senhor tem um grande susto...

Camilo, maravilhado, fez um gesto afirmativo.

— E quer saber, continuou ela, se lhe acontecerá alguma coisa ou não...

— A mim e a ela, explicou vivamente ele.

A cartomante não sorriu; disse-lhe só que esperasse. Rápido pegou outra vez as cartas e baralhou-as, com os longos dedos finos, de unhas descuradas; baralhou-as bem, transpôs os maços, uma, duas, três vezes; depois começou a estendê-las. Camilo tinha os olhos nela, curioso e ansioso.

— As cartas dizem-me...

Camilo inclinou-se para beber uma a uma as palavras. Então ela declarou-lhe que não tivesse medo de nada. Nada aconteceria nem a um nem a outro; ele, o terceiro, ignorava tudo. Não obstante, era indispensável mais cautela; ferviam invejas e despeitos. Falou-lhe do amor que os ligava, da beleza de Rita... Camilo estava deslumbrado. A cartomante acabou, recolheu as cartas e fechou-as na gaveta.

— A senhora restituiu-me a paz ao espírito, disse ele estendendo a mão por cima da mesa e apertando a da cartomante.

Esta levantou-se, rindo.

— Vá, disse ela; vá, ragazzo innamorato...

E de pé, com o dedo indicador, tocou-lhe na testa. Camilo estremeceu, como se fosse mão da própria sibila, e levantou-se também. A cartomante foi à cômoda, sobre a qual estava um prato com passas, tirou um cacho destas, começou a despencá-las e comê-las, mostrando duas fileiras de dentes que desmentiam as unhas. Nessa mesma ação comum, a mulher tinha um ar particular. Camilo, ansioso por sair, não sabia como pagasse; ignorava o preço.

— Passas custam dinheiro, disse ele afinal, tirando a carteira. Quantas quer mandar buscar?

— Pergunte ao seu coração, respondeu ela.

Camilo tirou uma nota de dez mil-réis, e deu-lha. Os olhos da cartomante fuzilaram. O preço usual era dois mil-réis.

— Vejo bem que o senhor gosta muito dela... E faz bem; ela gosta muito do senhor. Vá, vá tranqüilo. Olhe a escada, é escura; ponha o chapéu...

A cartomante tinha já guardado a nota na algibeira, e descia com ele, falando, com um leve sotaque. Camilo despediu-se dela embaixo, e desceu a escada que levava à rua, enquanto a cartomante alegre com a paga, tornava acima, cantarolando uma barcarola. Camilo achou o tílburi esperando; a rua estava livre. Entrou e seguiu a trote largo.

Tudo lhe parecia agora melhor, as outras cousas traziam outro aspecto, o céu estava límpido e as caras joviais. Chegou a rir dos seus receios, que chamou pueris; recordou os termos da carta de Vilela e reconheceu que eram íntimos e familiares. Onde é que ele lhe descobrira a ameaça? Advertiu também que eram urgentes, e que fizera mal em demorar-se tanto; podia ser algum negócio grave e gravíssimo.

— Vamos, vamos depressa, repetia ele ao cocheiro.

E consigo, para explicar a demora ao amigo, engenhou qualquer cousa; parece que formou também o plano de aproveitar o incidente para tornar à antiga assiduidade... De volta com os planos, reboavam-lhe na alma as palavras da cartomante. Em verdade, ela adivinhara o objeto da consulta, o estado dele, a existência de um terceiro; por que não adivinharia o resto? O presente que se ignora vale o futuro. Era assim, lentas e contínuas, que as velhas crenças do rapaz iam tornando ao de cima, e o mistério empolgava-o com as unhas de ferro. Às vezes queria rir, e ria de si mesmo, algo vexado; mas a mulher, as cartas, as palavras secas e afirmativas, a exortação: — Vá, vá, ragazzo innamorato; e no fim, ao longe, a barcarola da despedida, lenta e graciosa, tais eram os elementos recentes, que formavam, com os antigos, uma fé nova e vivaz.

A verdade é que o coração ia alegre e impaciente, pensando nas horas felizes de outrora e nas que haviam de vir. Ao passar pela Glória, Camilo olhou para o mar, estendeu os olhos para fora, até onde a água e o céu dão um abraço infinito, e teve assim uma sensação do futuro, longo, longo, interminável.

Daí a pouco chegou à casa de Vilela. Apeou-se, empurrou a porta de ferro do jardim e entrou. A casa estava silenciosa. Subiu os seis degraus de pedra, e mal teve tempo de bater, a porta abriu-se, e apareceu-lhe Vilela.

— Desculpa, não pude vir mais cedo; que há?

Vilela não lhe respondeu; tinha as feições decompostas; fez-lhe sinal, e foram para uma saleta interior. Entrando, Camilo não pôde sufocar um grito de terror: — ao fundo sobre o canapé, estava Rita morta e ensangüentada. Vilela pegou-o pela gola, e, com dois tiros de revólver, estirou-o morto no chão.



Este conto foi publicado originalmente na Gazeta de Notícias - Rio de Janeiro, em 1884. Posteriormente foi incluído no livro "Várias Histórias" e em "Contos: Uma Antologia", Companhia das Letras - São Paulo, 1998, de onde foi extraído.



O percurso gerativo de sentido em "A cartomante", de Machado de Assis
 Fabília Aparecida Rocha de Carvalho*

No nível fundamental, temos a oposição semântica razão x superstição que, no decorrer da narrativa aponta para o disforismo da superstição. O sujeito da enunciação argumenta a favor da razão, portanto, eufórica. No texto, o primeiro enunciado que comprova o valor negativo da superstição é a reação de Camilo perante a crença de Rita “quando este ria dela, por ter ido na véspera consultar uma cartomante”. Há ainda, outros exemplos:

“— Tu crês deveras nessas coisas? perguntou-lhe.”

No enunciado abaixo, pode-se constatar que a superstição é considerada coisa de criança e a valorização positiva da razão, algo esperado em um homem adulto.

“Cuido que ele ia falar, mas reprimiu-se. Não queria arrancar-lhe as ilusões. Também ele, em criança, e ainda depois, foi supersticioso, teve um arsenal inteiro de crendices, que a mãe lhe incutiu e que aos vinte anos desapareceram. No dia em que deixou cair toda essa vegetação parasita, e ficou só o tronco da religião, ele, como tivesse recebido da mãe ambos os ensinos, envolveu-os na mesma dúvida, e logo depois em uma só negação total. Camilo não acreditava em nada. Por quê? Não poderia dizê-lo, não possuía um só argumento; limitava-se a negar tudo. E digo mal, porque negar é ainda afirmar, e ele não formulava a incredulidade; diante do mistério, contentou-se em levantar os ombros, e foi andando.”

Redundâncias apontam para a valorização negativa da superstição, como podemos ver nos exemplos abaixo:

“— Ria, ria. Os homens são assim; não acreditam em nada. Pois saiba que fui, e que ela adivinhou o motivo da consulta, antes mesmo que eu lhe dissesse o que era. Apenas começou a botar as cartas, disse-me: "A senhora gosta de uma pessoa..."

“Jurou que lhe queria muito, que os seus sustos pareciam de criança; em todo o caso, quando tivesse algum receio, a melhor cartomante era ele mesmo.”

.” No princípio de 1869, voltou Vilela da província, onde casara com uma dama formosa e tonta;”



No nível narrativo, temos um sujeito motivado por outro sujeito (animado ou inanimado) a praticar alguma ação. Seguindo a orientação semântica do nível fundamental e, lembrando que em toda narrativa ocorre uma transformação, Camilo cede à superstição por ter recebido o bilhete de Vilela e a ocasião ter se tornado propícia por encontrar-se bem na frente da casa da cartomante. O sujeito Camilo, manipulado pelo sujeito “temor”, vai consultar a tal cartomante, ou seja, realiza a performance. A competência é dada pela ocasião, ao acaso do acidente na região próxima a casa da adivinha. A sanção negativa que recebe, a morte, confirma o valor tímico negativo da superstição.

No nível discursivo, as categorias de pessoa, tempo e espaço simulam a realidade, criam a ilusão do real, como também alinham-se à oposição semântica fundamental, desenvolvendo-se em temas e concretizando-se em figuras. A cartomante e Rita figurativizam a superstição, bem como, Camilo, a razão. Temos outras representações simbólicas da superstição como as cartas do baralho, a casa da cartomante; e da razão como os jogos de dama e xadrez, o cocheiro do tílburi.

A razão é desenvolvida em temas que fazem referência, principalmente, ao cartesianismo do homem adulto; a superstição à inocência infantil, à puerilidade feminina e às ilusões.

Fecha-se a grade ideológica, mensagem do texto, a favor da razão, visto que os supersticiosos recebem a morte como castigo. Camilo é a personagem que faz o percurso razão (vida) – não razão – superstição(morte).

*Trabalho apresentado na V Semana de Letras da Universidade Federal de Sergipe.

O percurso gerativo de sentido é um modelo de análise que esteve em voga, no Brasil, na década de 90, ao lado do estruturalismo, que acabaram sendo substituídos pela Análise do discurso de várias linhas, quando os estudos sobre o sujeito e sua relação com a história e com a ideologia tornaram-se o foco de pesquisadores de várias áreas.



Observação: a ortografia original foi mantida.